sábado, 21 de março de 2009

EMERGÊNCIA ESPIRITUAL

EMERGÊNCIA ESPIRITUAL


PARA UMA REDEFINIÇÃO DA TERAPIA EM ABORDAGEM HOLÍSTICA:

CIÊNCIA MODERNA E TRADIÇÕES SAGRADAS


NOVOS HORIZONTES DA PSICOTERAPIA NO TERCEIRO MILÊNIO

Treinamento de terapeutas e auto-conhecimento com as mais avançadas técnicas da Psicologia Junguiana, da Psicologia Transpessoal e das Tradições Sagradas, numa abordagem holística da Psicoterapia.

· O uso de estados não-ordinários de consciência para a cura e individuação: As psicoterapias experienciais.

· Crises de abertura psíquica

· Xamanismo: O arquétipo do Curador-Ferido

· Experiências de Quase-Morte (EQM)- A Psicologia da Morte e Renascimento

· Terapia Regressiva e Experiências de Vidas Passadas

· Estados de Possessão: complexos, arquétipos ou seres objetivos?

Mediunidade: alcances e limitações

· Comunicação com Guias Espirituais e Canalizações

· Episódios de Consciência Unitiva ("experiências de cume")- Práticas de Meditação e a Psicologia da Iluminação

· Despertar da Kundaliní - Tantra: Sexualidade e Espiritualidade

· Utilizando Mitos, Contos de Fadas e Histórias Sufis na Terapia, na Educação e Desenvolvimento Interior.

· Alcoolismo e Drogadição como Emergências Espirituais.

Módulo 1 em 8 Aulas

Início na segunda semana de Março, Sextas feiras das 19:00hs ás 22:00hs

Philippe Bandeira de Mello
Psicoterapeuta Junguiano e Transpessoal, Professor, Supervisor Clínico, Pesquisador em Psicologia da Religião e Etnopsicologia.

2265-1175 / 9816-8976 / 9896-5328

0xx21- 3641-8069 Teresópolis

http://philippebandeira.blogspot.com/

philippebandeirademello@yahoo.com.br


Emergência Espiritual: Para Compreender a Crise de Evolução


"O místico, dotado de talentos inatos..., e seguindo... a instrução de um mestre, entra na água e descobre que sabe nadar; o esquizofrênico, por sua vez, despreparado, sem orientação e sem dotes, caiu nela, ou mergulhou voluntariamente, e está se afogando."
Joseph Campbell, Myths to Live By

Sentimentos de unidade com todo o universo. Visões e imagens de épocas e locais distantes. Sensações de vibrantes correntes de energia percorrendo o corpo, acompanhadas de espasmos e de violentos tremores. Visões de divindades, semideuses e demônios. Vividos vislumbres de luzes brilhantes e das cores do arco-íris. Temores de insanidade, e até de morte, iminente.

Quem passar por esses fenômenos físicos e mentais extremos é rotulado imediatamente de psicótico pela maioria dos ocidentais de hoje. Contudo, um número crescente de pessoas parece estar tendo experiências incomuns semelhantes às descritas acima e, em vez de se perderem sem esperança na insanidade, esses indivíduos costumam sair desses estados mentais extraordinários com um sentido cada vez maior de bem-estar e com um nível superior de funcionamento na vida diária. Em muitos casos, problemas emocionais, mentais e físicos de longa data são curados nesse processo.

Encontramos muitos paralelos desses incidentes nas histórias de vidas de santos, de iogues, místicos e xamãs. Com efeito, a literatura e as tradições religiosas de todo o mundo validam o poder de cura e de transformação desses estados incomuns para as pessoas que passam por eles. Por que, então, as pessoas que têm essas experiências no mundo de hoje são consideradas, quase todas, mentalmente doentes?

Embora haja muitas exceções individuais, a psicologia e a psiquiatria dominantes não costumam distinguir entre misticismo e doença mental. Esses campos não reconhecem em termos oficiais que as grandes tradições espirituais que se dedicam há milênios ao estudo sistemático da consciência humana têm algo a oferecer. Por isso, os conceitos e práticas do budismo, do hinduísmo, do cristianismo, do sufismo e de outras tradições místicas são ignorados e descartados indiscriminadamente.

Neste ensaio, vamos examinar a idéia de que muitos episódios de estados mentais incomuns, mesmo os dramáticos e de proporções psicóticas, não são necessariamente sintomas de doenças no sentido médico. Vemo-los como crises da evolução da consciência ou "emergências espirituais", comparáveis aos estados descritos pelas várias tradições místicas do mundo.

Antes de discutir em termos mais específicos o conceito de emergência espiritual, analisemos mais de perto a relação entre psicose, doença mental e misticismo e os fatos históricos que resultaram na rejeição das experiências místicas e espirituais clássicas como sintomas de doença mental por parte da ciência e da psiquiatria moderna.

A visão de mundo criada pela ciência ocidental tradicional, e que domina a nossa cultura, é, em sua forma mais rigorosa, incompatível com toda noção de espiritualidade. Num universo em que somente o palpável, o material e o mensurável são reais, todas as modalidades de atividades religiosas e místicas são consideradas reflexo da ignorância, da superstição e da irracionalidade ou imaturidade emocional. Por conseguinte, interpretam-se as experiências diretas de realidades espirituais como "episódios psicóticos" - manifestações de doença mental.

Nossas experiências e observações pessoais ao longo de anos de envolvimento em várias formas de psicoterapia experiencial profunda nos levaram a crer ser importante rever essa situação na psiquiatria e em nossa visão de mundo em geral, reavaliando-a à luz de evidências da história pregressa e recente. Um reexame radical do pensamento sobre o misticismo e a psicose há muito tem sido adiado. Uma clara diferenciação entre esses dois fenômenos tem amplas conseqüências práticas para as pessoas que passam por estados de consciência incomuns, especialmente os de ênfase espiritual. É importante reconhecer as emergências espirituais e tratá-las de modo apropriado, devido ao seu enorme potencial positivo de crescimento e de cura pessoais, que em geral seria suprimido por uma abordagem insensível e por uma medicação de rotina indiscriminada.

O grupo de desordens mentais conhecido como psicoses constitui um grande desafio e um enigma para a psiquiatria e a psicologia ocidentais. Essas condições se caracterizam por um profundo distúrbio da capacidade de perceber o mundo em termos normais; de pensar e de responder, em termos emocionais, de uma maneira cultural e socialmente aceitável; e de comportar-se e comunicar-se de modo apropriado.

Para algumas dessas desordens, a ciência moderna descobriu modificações anatômicas, fisiológicas e bioquímicas de base no cérebro e em outras partes do organismo. Esse subgrupo, denominado psicoses orgânicas, pertence inquestionavelmente ao domínio médico. Mas não se descobriram explicações médicas para muitos outros estados psicóticos, apesar dos esforços concentrados de gerações de pesquisadores de vários campos. Mesmo com a falta geral de resultados na busca de causas médicas específicas, as chamadas psicoses funcionais costumam ser incluídas na categoria de doenças mentais de causa desconhecida. Trata-se do subgrupo de psicoses que nos interessa aqui.

Diante da ausência de um claro consenso sobre as causas das psicoses funcionais, seria mais adequado e honesto reconhecer nossa completa ignorância quanto à sua origem e sua natureza, e só usar o termo doença para as condições passíveis de ter descoberta uma base física específica. Assim, podemos abrir a porta para novas abordagens de, ao menos, algumas psicoses funcionais, criando novas perspectivas que diferem, teórica e praticamente, da concepção médica da doença. Já foram desenvolvidas alternativas, em particular no âmbito das chamadas psicologias profundas. Existem várias teorias psicológicas e estratégias psicoterapêuticas inspiradas pelo trabalho pioneiro de Sigmund Freud.

Embora as abordagens da psicologia profunda sejam discutidas e ensinadas nos círculos acadêmicos, a compreensão e o tratamento das psicoses funcionais na psiquiatria dominante estão dominados, por uma variedade de razões, pelo pensamento médico. Em termos históricos, a psiquiatria conseguiu estabelecer-se com firmeza como disciplina médica. Descobriu-se uma base orgânica para certos estados psicóticos e, em alguns casos, até tratamentos efetivos para eles. Além disso, sintomas de condições psicóticas de origem desconhecida foram controlados por meio de tranqüilizantes, antidepressivos, sedativos e soporíferos. Parecia lógico, portanto, estender a trajetória e esperar sucesso ao longo das mesmas linhas em desordens para as quais ainda não foram descobertas causas nem tratamentos.

Há outros fatos persuasivos em favor da perspectiva médica ou psiquiátrica. A psiquiatria atribui estados e comportamentos psicóticos a condições físicas e fisiológicas, enquanto as psicologias profundas tentam descobrir as causas dos problemas mentais em eventos e circunstâncias da vida do paciente, em geral ocorrências da infância. Por conseguinte, a psicologia tradicional limita as fontes dos conteúdos da mente a aspectos observáveis da história pessoal do cliente. A isso chamamos de "modelo biográfico" da psicose. Os estados mentais e comportamentos psicóticos para os quais não se pode encontrar causas na biografia pessoal serviriam, portanto, para fornecer evidências favoráveis ao modelo médico.

Com efeito, há significativos aspectos de muitas psicoses que não podem ser explicados por meio do método psicológico de descobertas da origem de todas as condições mentais na história de vida do paciente. Alguns deles envolvem certas emoções e sensações físicas extremas que não se podem compreender em termos da história individual da infância ou de eventos posteriores. Incluem-se aqui, por exemplo, visões e experiências de ser engolfado pelo universo, de torturas diabólicas, de desintegração da personalidade e até de destruição do mundo. De igual modo, sentimentos de culpa abismais, a sensação de danação eterna ou impulsos agressivos indiscriminados ou incontroláveis não podem ser associados, em muitos casos, com eventos ou condições específicas da vida do paciente. Assim sendo, poderíamos facilmente supor que esses elementos estranhos presentes na psique devem ser uma decorrência de processos patológicos orgânicos que afetam direta ou indiretamente o cérebro.

Há outras espécies de experiências problemáticas da perspectiva biográfica, não apenas por causa de sua intensidade como em função de sua natureza. Experiências com divindades e demônios, com heróis e ambientes místicos ou com regiões celestiais ou infernais não têm lugar lógico no mundo concebido pela ciência ocidental. Por isso, parece evidente sugerir, como o faz o ponto de vista médico, que elas devem ser produto de algum processo físico patológico de origem desconhecida. O caráter místico de muitas experiências de estados de consciência incomuns as inclui automaticamente na categoria de enfermidades, visto que a espiritualidade não é considerada uma dimensão legítima no universo material excludente da ciência tradicional.

Contudo, recentes desenvolvimentos na área psicológica começaram a sugerir, para essas ocorrências extraordinárias, fontes que não se enquadram na patologia médica nem da história de vida pessoal. Historicamente, a primeira ruptura nesse sentido foi a obra do psiquiatra suíço C. G. Jung. Jung expandiu em muito o modelo biográfico, ao introduzir o conceito de inconsciente coletivo. Por meio-de uma cuidadosa análise de sua própria vida onírica, dos sonhos dos seus clientes e das alucinações, fantasias ou delírios dos psicóticos, ele descobriu que a psique humana tem acesso a imagens e motivos de real natureza universal. Esses elementos podem ser encontrados na mitologia, no folclore e na arte de culturas distribuídas amplamente, não apenas pelo globo, mas ao longo da história da humanidade.

Esses arquétipos, como Jung os denominou, aparecem com surpreendente regularidade mesmo em indivíduos cuja história de vida e cuja educação carecem de exposição direta às várias manifestações culturais e históricas. Essa observação levou-o à conclusão de que há - além do inconsciente individual - um inconsciente racial ou coletivo comum à humanidade. Para ele, a religião e a mitologia comparadas eram fontes inestimáveis de informação sobre esses aspectos coletivos do inconsciente. No modelo junguiano, muitas experiências que não fazem sentido como derivativos de eventos biográficos, tais como visões de divindades e demônios, podem ser consideradas manifestações de conteúdos do inconsciente coletivo.

Embora conhecidas há muitas décadas, as idéias de Jung de início não tiveram influência significativa fora de estreitos círculos de seguidores dedicados. Elas estavam muito além do seu tempo e tiveram de esperar um ímpeto adicional para se destacarem. Essa situação começou a mudar nos anos 60, época de um grande renascimento do interesse pelos limites mais amplos da consciência humana. Essa era de exploração interior se iniciou com a experimentação clínica com drogas psicodélicas entre profissionais e com a exposição pessoal de uma parcela da população leiga, que por um certo período passou a ser conhecida como contracultura, a essas drogas. Prosseguiu com uma avalancha de técnicas experienciais de psicoterapia e de práticas espirituais de toda espécie, da terapia da Gestalt à meditação transcendental, entre terapeutas e leigos nos anos 70 e 80.

À medida que muitas pessoas passaram a ter experiências com os tipos de imagens e símbolos que Jung atribuía ao inconsciente coletivo, bem como a viver episódios de natureza mística clássica, essa onda forneceu um forte apoio as idéias junguianas e uma poderosa validação das tradições místicas do mundo, oriental e ocidental. Nessa época, ficou evidente para muitos praticantes dessas explorações ser necessário um novo modelo de psique cujos elementos importantes incluiriam não apenas a dimensão biográfica freudiana como o inconsciente coletivo e a espiritualidade junguiana.

Quando se pensa na mente em termos tão ampliados, os conteúdos das experiências que ocorrem durante vários estados de consciência extraordinários não são vistas como produtos casuais e arbitrários de um funcionamento cerebral alterado. Eles são, em vez disso, manifestações dos recessos remotos da psique humana a que não costumamos ter acesso. E a vinda desse material inconsciente à superfície pode ser, na verdade, curativa e transformadora, desde que ocorra nas circunstâncias corretas. Inúmeras disciplinas espirituais e tradições místicas, do xamanismo ao zen, representam ricos repositórios de valioso conhecimento sobre esses domínios mais profundos da mente. Sabe-se há séculos que muitos episódios dramáticos e difíceis podem ocorrer durante a prática espiritual e que o caminho para a iluminação pode ser doloroso e tempestuoso.

Assim, a luz lançada pela psicologia profunda e dos antigos legados espirituais fornece a base para uma nova compreensão de alguns estados psicóticos para os quais não podem ser descobertas causas biológicas. Os desafios à psiquiatria moderna apresentados por essas duas escolas de conhecimento nos revelam as raízes da idéia de emergência espiritual, conceito que ora examinaremos com maiores detalhes.


"Retirado de: Emergência Espiritual; de Stanislav e Christina Grof"

Texto postado do Blog Integrando Fragmentos: http://integrandofragmentos.blogspot.com/

Espiritualidade, religião e a experiência do divino

Texto postado no Blog Integrando Fragmentos: http://integrandofragmentos.blogspot.com/


Para prevenir a má comunicação, gostaríamos de dizer o que entendemos pelo termo "espiritualidade" e em que sentido o usaremos. O termo espiritualidade deve ser reservado para situações que abrangem experiências pessoais de certas dimensões da realidade e que dão à vida de alguém e à existência em geral uma qualidade numinosa. C. G. Jung usou a palavra "numinosa" para descrever uma experiência que parece sagrada, pura e fora do comum. A espiritualidade é algo que caracteriza o relacionamento entre a pessoa e o universo e não requer, necessariamente, uma estrutura formal, um ritual coletivo ou a meditação feita por um sacerdote.

Em contraste, a religião é uma forma de atividade grupal organizada que pode ou não tender para a verdadeira espiritualidade, dependendo do grau em que ela proporciona um contexto para a descoberta pessoal das dimensões numinosas da realidade. Enquanto na origem de todas as grandes religiões estão as revelações visionárias de seus fundadores, profetas e santos, indicando o caminho, em muitos casos, com o passar do tempo, a religião perde a ligação com o seu núcleo vital.

O termo moderno usado para a experiência direta das realidades espirituais é a palavra "transpessoal", que significa transcender o modo usual de perceber e interpretar o mundo desde uma posição de ego individual ou ego corporal. Existe uma disciplina totalmente nova, a psicologia transpessoal, especializada em experiências desse tipo, e suas implicações e descobertas advindas dos estudos transpessoais de consciência são de fundamental importância para o conceito de emergência espiritual.

Os estados envolvendo encontros pessoais com as dimensões numinosas da existência podem ser divididos em duas grandes categorias. Na primeira, estão as experiências do "imanente divino", ou percepções da inteligência divina expressando-se no mundo da realidade diária. Todo tipo de criação - pessoas, animais, plantas e objetos inanimados - parecem estar impregnados pela mesma essência cósmica e pela mesma luz divina. Uma pessoa nesse estado compreende repentinamente que tudo no universo é manifestação e expressão da mesma energia cósmica criativa e que separação e fronteiras são ilusórias.

As experiências da segunda categoria não representam uma percepção diferente do que já é conhecido, mas revelam uma valiosa série de dimensões da realidade que estão comumente escondidas da consciência humana e não são acessíveis ao estado diário de consciência. Elas podem ser atribuídas às experiências do "transcendente". Um exemplo típico seria a visão de Deus como uma fonte radiante de luz, de beleza sobrenatural, ou a sensação de fusão pessoal e de identidade com Deus, percebida desse modo. As visões de vários seres arquetípicos, como divindades, demônios, heróis lendários e guias espirituais, também pertencem a essa categoria. Outras experiências não envolvem meramente entidades sobre-humanas individuais, mas reinos mitológicos inteiros, como céus, infernos, purgatórios e vários cenários e paisagens diferentes de tudo que já foi visto na Terra.

O que nos interessa aqui são as conseqüências práticas dos encontros pessoais com as realidades espirituais. Para as pessoas que já os tiveram, a existência de um Deus imanente e transcendente não é uma questão de crença infundada, mas é um fato baseado numa experiência direta - assim como nossas atitudes acerca da realidade material da nossa vida diária são baseadas, primeiramente, nas percepções sensoriais. Por outro lado, a crença é uma opinião sobre a natureza da realidade fundamentada em uma forma específica de educação, de instrução ou de leitura da literatura religiosa (isso necessita de validação experimental).

Esses estados transpessoais podem provocar uma verdadeira influência transformadora benéfica nos seus receptores e em suas vidas. Podem aliviar várias formas de desordens emocionais e psicossomáticas, assim como dificuldades com relacionamentos interpessoais. Podem também reduzir tendências agressivas, valorizar a própria imagem, aumentar a tolerância para com os outros e elevar sua qualidade de vida. Entre os efeitos secundários positivos está, com freqüência, uma profunda sensação de conexão com outras pessoas e com a natureza. Essas mudanças nas atitudes e no comportamento são conseqüências naturais das experiências transpessoais; a pessoa as aceita e as adota voluntariamente, sem a imposição de injunções externas, preceitos, ordens ou ameaças de punição.

A espiritualidade desse tipo, baseada na revelação pessoal direta, existe tipicamente nas ramificações místicas das grandes religiões e em suas ordens monásticas, que se utilizam de meditações, cantilenas repetitivas, preces e outras práticas para induzir esses estados transpessoais da mente. Já vimos, por diversas vezes, que as experiências espontâneas durante as emergências espirituais têm um potencial semelhante, se ocorrerem em um contexto de apoio e compreensão.


Retirado do livro: A tempestuosa busca do ser; de Stanislav e Christina Grof

Uma nova imagem dos seres humanos

Texto postado do Blog Integrando Fragmentos: http://integrandofragmentos.blogspot.com/


As descobertas das últimas décadas sugerem fortemente que a psique não é limitada à biografia pós-natal e ao consciente individual freudiano, e confirma a verdade perene, encontrada em muitas tradições místicas, de que os seres humanos podem ser comensurados com tudo o que existe. As experiências transpessoais e o seu extraordinário potencial certamente atestam esse fato.

A nova imagem dos seres humanos é paradoxal por natureza e envolve dois aspectos complementares. Nas situações diárias abrangendo estados comuns de consciência, poderia ser apropriado pensar nas pessoas como máquinas biológicas. Porém, em estados mentais incomuns também podem demonstrar propriedades de campos infinitos da consciência - transcendendo o tempo, o espaço e a causalidade linear. Essa é a imagem que as tradições místicas têm descrito por milênios. Recentemente, recebeu-se o apoio inesperado da tanatologia, da parapsicologia, da antropologia, das psicoterapias existenciais e da pesquisa psicodélica, e também do trabalho com emergências espirituais.

(...)

(...) Aqui nos referimos ao mundo de conhecimento holotrópico (literalmente "caminhar para a totalidade", do grego holos = "todo" e trepein).

Nesse modo de conhecimento podemos vivenciar um amplo espectro de fenômenos; alguns deles são o restabelecimento vivido de eventos passados; outros são seqüências de morte e renascimento, e ainda outros são vários aspectos da dimensão transpessoal. Eles nos dão fortes evidências experienciais de que o mundo da matéria não é sólido, de que todas as suas fronteiras são arbitrárias e de que nós mesmos não somos corpos materiais, mas campos ilimitados de conhecimento. Demonstram também a possibilidade de que o tempo e o espaço newtoniano podem ser transcendidos e sugerem a existência de realidades e seres que não são de natureza material.

Na psiquiatria tradicional, todas as experiências holotrópicas têm sido interpretadas como fenômenos patológicos, apesar de a causa dos processos de doença nunca ser identificada; isto reflete o fato de que o antigo paradigma não tem uma explicação adequada para essas experiências e não foi capaz de dar conta delas de qualquer outro modo. No entanto, o estudo cuidadoso nas experiências holotrópicas demonstra que elas não são produtos patológicos do cérebro; ao contrário, revelam capacidades extraordinárias da psique humana e aspectos importantes da realidade normalmente escondidos da nossa consciência.



Retirado do livro: A tempestuosa busca do Ser; de Stamislav e Christina Grof
http://br.groups.yahoo.com/group/emergenciaespiritual/

O diagnóstico da emergência espiritual






Duas perguntas importantes e freqüentes são: como alguém pode diagnosticar uma emergência espiritual e como é possível diferenciar a crise de transformação da emergência espiritual da doença mental. Para questionar isso seriamente, um profissional de doença mental tem que aceitar os fatos de que a espiritualidade é uma dimensão legítima da existência e de que seu despertar e desenvolvimento são para se desejar.



Os critérios para distinguir entre crise espiritual e emergência espiritual estão resumidos na tabela 1. Já que não há fronteiras bem delimitadas entre as duas condições, esses critérios têm que ser considerados como meras diretrizes gerais úteis. Os primeiros critérios importantes são a intensidade e a profundidade do processo, sua fluidez e o grau em que a pessoa envolvida pode atuar no dia-a-dia.

É igualmente importante a postura com relação ao que está acontecendo - se o processo é visto como excitante e valioso ou assustador e irresistível. E finalmente, a habilidade de manipular o relacionamento com o resto da sociedade é de importância primordial. O grau de discriminação com relação à pessoa que alguém escolheu para falar sobre as experiências e a linguagem utilizada podem ser um fator decisivo para determinar se a pessoa será ou não hospitalizada.

Quando se decide que a pessoa transcendeu os limites da emergência espiritual e está enfrentando uma crise, as considerações diagnosticas vêm a seguir. Resumimos novamente na forma de uma tabela (veja tabela 2) os principais critérios para diferenciar as emergências espirituais das doenças estritamente médicas e das chamadas doenças mentais.

A primeira tarefa para diagnosticar é excluir qualquer condição médica detectável por técnicas clínicas e laboratoriais existentes que poderiam ser responsáveis pelas manifestações perceptivas, emocionais e outras envolvidas: condições como encefalite, meningite ou outras doenças infecciosas, arterio-esclerose cerebral, tumor temporal, uremia e outras doenças que sabemos que alteram a consciência. Os sintomas psicológicos dessas psicoses orgânicas são claramente distinguíveis das psicoses funcionais por meio de exames psiquiátricos e testes psicológicos. Os critérios para fazer essas distinções estão demonstrados na primeira metade da tabela

Quando os exames e testes apropriados excluírem a possibilidade de o problema com que estamos lidando ser de natureza orgânica, a próxima tarefa é descobrir se o cliente se enquadra na categoria de emergência espiritual - em outras palavras, diferenciar esse estado das psicoses funcionais. Não há nenhum modo de estabelecer critérios absolutamente claros para a diferenciação entre a emergência espiritual e a psicose ou doença mental, já que esses termos por si só carecem de uma validade científica objetiva. Não se deveria confundir as categorias desse tipo com entidades de doenças precisamente definidas como diabetes mellitus ou anemia perniciosa. As psicoses funcionais não são doenças num sentido estritamente médico e não podem ser identificadas com o grau de precisão que é requerido na medicina quando se estabelece um diagnóstico diferencial.

A tarefa de decidir se estamos lidando com uma emergência espiritual num caso particular significa, em termos práticos, que temos de avaliar se o cliente poderia se beneficiar das estratégias descritas neste livro ou deveria ser tratado do modo tradicional. Os critérios para essa decisão estão resumidos na segunda metade da tabela 2. O conteúdo de uma emergência espiritual típica é a combinação de experiências transpessoais, perinatais e biográficas. (...)

Entre os sinais favoráveis estão: a história de ajustamentos psicológicos sexuais e sociais precedendo o episódio, a habilidade de considerar a possibilidade de que o processo pudesse ter origem na psique da própria pessoa, a confiança suficiente para cooperar, e a boa vontade em respeitar as regras básicas do tratamento. Ao contrário, uma longa história de vida de sérias dificuldades psicológicas e de ajustamento sexual e social marginal pode ser vista, em geral, como uma sugestão de cuidado. Do mesmo modo, um conteúdo de experiências confuso e pobremente organizado, a presença dos primeiros sintomas Breuler de esquizofrenia, a forte participação de elementos maníacos, o uso sistemático de projeção e a presença de vozes perseguidoras e de delírios indicam que as abordagens tradicionais deveriam ser preferidas. Fortes tendências destrutivas e autodestrutivas e violações das regras básicas de tratamento são indicadores ainda mais negativos.

Em clientes que se encaixam na categoria da emergência espiritual, tentar usar rótulos psiquiátricos tradicionais faz muito pouco sentido. Porém, já que os profissionais com formação tradicional estão acostumados a pensar nesses termos e, em geral, têm que praticar no contexto do sistema médico estabelecido, o problema de rotular será abordado aqui brevemente.

As escolhas que o American Diagnostic and Statistical Manual oficial (DSM III) dão aos profissionais liberais da saúde mental para descrever pessoas que estão passando por emergências espirituais são claramente insatisfatórias. Elas incluem, de modo geral, reações esquizofrênicas, maníaco-depressivas e paranóicas. A análise cuidadosa das manifestações dos principais tipos de emergência espiritual mostra que elas não se enquadram em nenhuma das categorias oficiais. Já que a psiquiatria tradicional não faz nenhuma distinção entre reações psicóticas e estados místicos, não apenas as crises de abertura espiritual, mas também as experiências transpessoais simples, em geral, recebem um rótulo patológico.


TABELA 1. DIFERENÇAS ENTRE A CRISE E A EMERGÊNCIA ESPIRITUAL

Emergência

- As experiências interiores são fluidas, amenas, de fácil integração.

- Novas "descobertas" espirituais são bem aceitas, ansiadas e desenvolvidas.

- Infusão gradual de idéias e de descobertas na vida.

- Vivências de energias que estão contidas e são facilmente controladas.

- Fácil diferenciação entre as experiências internas e externas e transição de umas para as outras.

- Facilidade em incorporar estados incomuns de consciência na vida diária.

- Mudança lenta e gradual da consciência de si e do mundo.

- Excitação a respeito das experiências interiores quando elas surgem; disposição e habilidade para cooperar com elas.

- Atitude de aceitação para com a mudança.

- Facilidade em renunciar ao controle. Confiança no processo.

- As experiências difíceis são tratadas como oportunidades de mudança.

- As experiências positivas são aceitas como dádivas.

- Não há necessidade freqüente de discutir as experiências.

- Minúcias ao falar sobre o processo (quando, como, com quem).


Crise

- As experiências interiores são dinâmicas, dissonantes e de difícil integração.

- Novas descobertas espirituais podem ser filosoficamente desafiadoras e ameaçadoras.

- Influxo opressivo de experiências e de novas idéias.

- Experiências de tremores, calafrios e de energia destrutiva na vida diária.

- Às vezes é difícil distinguir entre as experiências internas e as externas, ou a ocorrência simultânea de ambas.

- As experiências interiores interrompem e perturbam a vida diária.

- Modificação abrupta e rápida da percepção de si mesmo e do mundo.

- Ambivalência acerca das experiências interiores, mas há disposição e habilidade para colaborar com elas, utilizando um guia.

- Resistência à mudança.

- Necessidade de estar sob controle.

- Desacredita e não gosta do processo.

- As experiências difíceis são dominadoras e freqüentemente malquistas.

- As experiências positivas dificilmente são aceitas, parecem injustas e podem ser dolorosas.

- Necessidade freqüente e urgente de discutir as experiências.

- Confusão ao falar sobre o processo (quando, como, com quem).


TABELA 2

DIFERENCIAÇÃO ENTRE EMERGÊNCIA ESPIRITUAL(1) E DESORDENS PSIQUIÁTRICAS(2)

Características do processo indicando a necessidade de uma abordagem médica para o problema. (2)

Características do processo sugerindo que a estratégia para a emergência espiritual deveria funcionar. (1)


Critérios de Natureza Médica

Exame clínico e testes de laboratório detectam uma doença física que causa mudanças psicológicas. (2)

Exame clínico e testes de laboratório detectam um processo de doença no cérebro que causa mudanças psicológicas (reflexos neurológicos, fluido cérebro-espinhal, raios X, etc). (2)

Testes psicológicos específicos indicam debilitação do cérebro. (2)

Debilitação do intelecto e da memória, consciência nebulosa, problemas com a orientação básica (nome, tempo, espaço). (2)

Confusão, desorganização e funcionamento intelectual deficiente impedem a comunicação e a cooperação. (2)

Resultados negativos de exames clínicos e de testes laboratoriais para uma doença física. (1)

Resultados negativos de exames clínicos e de testes laboratoriais para processos patológicos que afligem o cérebro.(1)

Resultados negativos de testes psicológicos para debilitação orgânica.(1)

Intelecto e memória mudam qualitativamente, mas intactos, conhecimento geralmente claro, boa orientação básica, coordenação sem debilitação séria. (1)

Habilidade para se comunicar e cooperar (envolvimento ocasional profundo no processo interior pode ser um problema). (1)



Critérios de Natureza Psicológica



A história pessoal demonstra sérias dificuldades no relacionamento interpessoal desde a infância, na incapacidade de fazer amigos e de ter relacionamentos sexuais íntimos, no ajustamento social deficiente, geralmente longas histórias de problemas psiquiátricos. (2)

Pré-acontecimento adequado funcionando como evidência pelas habilidades interpessoais, algum sucesso na escola e na carreira, um grupo de amigos e capacidade de ter relacionamentos sexuais; nenhuma história psiquiátrica séria. (1)

Conteúdo do processo mal-organizado e maldefinido, mudanças irrestritas das emoções e do comportamento, desorganização não-específica de qualquer tipo, nenhuma indicação de direção do desenvolvimento, afrouxamento das associações, incoerência.(2)

Retraimentos autistas, agressividade ou comportamento controlado e manipulador impedem que um relacionamento funcione bem e tornam a cooperação impossível. (2)

Incapacidade de ver o processo como algo intrapsíquico, confusão entre as experiências interiores e o mundo exterior, uso excessivo de projeção e culpa, "extravazamento". (2)

Desconfiança básica e percepção do mundo e de todas as pessoas como hostis, delírios de perseguição, alucinações acústicas ("vozes") que dizem coisas desagradáveis. (2)

Violações das regras básicas da terapia ("não 'machucar' a si mesmo ou a alguém mais, não destruir propriedade"), impulsos destrutivos e autodestrutivos (suicida ou autoflagelador) e uma tendência a agir de acordo com eles sem avisar. (2)

Comportamento que põe em risco a saúde e causa sérias preocupações (recusar-se a comer e a beber por períodos prolongados de tempo, negligenciando as regras básicas de higiene). (2)

Seqüências de lembranças biográficas, temas de nascimento e morte, experiências transpessoais, possível descoberta de que o processo é saudável ou de natureza espiritual, mudança e desenvolvimento de temas, progresso freqüente e definível, incidências de sincronicidades verdadeiras (evidentes para os outros). (1)

Habilidade para relatar e cooperar, em geral até mesmo durante episódios de experiências notáveis que ocorrem espontaneamente ou no decorrer de um trabalho psicoterapêutico. (1)

Consciência da natureza intrapsíquica do processo, habilidade satisfatória para distinguir entre o interior e o exterior, reconhecimento do processo, habilidade para mantê-lo internalizado. (1)

Confiança suficiente para aceitar ajuda e cooperar; sensações de perseguição e "vozes" ausentes.(1)

Habilidade para honrar as regras básicas da terapia, ausência de idéias destrutivas ou autodestrutivas e tendência ou habilidade para falar sobre elas e aceitar medidas de precaução. (1)

Boa cooperação com coisas relacionadas com a saúde física, a manutenção básica e as regras de higiene. (1)

Essa situação tem sido criticada apenas por terapeutas e pesquisadores de orientação transpessoal. O crítico mais franco e claro das práticas de diagnósticos atuais com relação aos estados místicos e às emergências espirituais tem sido David Lukoff, um psiquiatra da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Ele enfatiza a necessidade de distinguir claramente os estados místicos das reações psíquicas. Ele sente que a psiquiatria deveria ter, além disso, duas categorias para as condições em que o místico e o psicológico se sobrepõem: os estados místicos com características psicóticas e os estados psicóticos com características místicas.

Nas circunstâncias atuais, o uso de rótulos em diagnósticos obscurece os problemas e impede o potencial de cura do processo. Além desses efeitos prejudiciais psicológica e socialmente estigmatizados, cria-se uma falsa impressão de que a desordem é uma doença identificada com precisão e serve como uma justificativa para os medicamentos supressivos como uma abordagem cientificamente indicada.

Retirado do livro: A tempestuosa busca do Ser; de Stanislav e Christina Grof